O meio e o fim

Primeiro, de uma forma um tanto ingênua, não se sabe até que ponto espontânea, as ruas da grande capital começaram a resmungar com um pouco mais de volume o seu costumeiro murmúrio contra o que os jovens chamam de “o sistema”, os estudiosos chamam de “establishment”, os humildes chamam de “o governo”, e por aí vai. Tudo isso motivado por um aumento – que já era esperado – das tarifas do transporte.

Pois o fato é que este “murmúrio” ganhou forma de grito e tomou conta da grande capital, movimentou uma verdadeira legião de adeptos dentro e fora da cidade e até do Estado, esparramando-se no seio da pátria qual um vírus estranho e incurável.

Mesmo assim essa movimentação, nesse primeiro momento foi sendo tratada como arruaça: um mero grupo de baderneiros, a maioria influenciada por filhinhos-de-mamãe-da-classe-média em seus costumeiros arroubos da juventude.

Até mesmo duvidou-se da própria legitimidade da manifestação: classe média vai de carro, não de ônibus! –foi a opinião dos estudiosos…

Então, conforme avolumara-se demasiado os brados do povo, iniciou-se uma nova visão dos fatos: talvez não se tratasse apenas de valores de tarifa, ou de reivindicações tolas: passe livre, impeachment da presidente, mas sim de coisas sérias: aprimoramentos na saúde pública, saneamento para todos, segurança de fato, distribuição sensata de renda, educação que mereça esse nome, enfim, foi como se terminasse uma letargia coletiva de súbito, e todos entoassem em uníssono um coro de protesto e fúria, uma verdadeira comunhão do povo: Os gritos não cessaram na primeira semana, nem na seguinte, nem na outra.

Os protestos se avolumaram e tomaram forma, cresceram em abrangência e conteúdo, passaram a fazer seu eco ressoar através do mundo: a imprensa mundial celebrou o “gigante desperto”.

Agora porém, tendo a mídia ganho seu pão explorando de todas as formas esses eventos, cessam lentamente a incursão de repórteres entre os manifestantes, que cada vez menos aparecem nos noticiários televisivos.

A despeito de uns corajosos que tentam a todo custo manter acesa a chama do protesto, o gigante já começa a coçar o olho por fadiga.

No vácuo dessas demonstrações sobram medos de que nada tenha valido a pena, apesar de alguns resultados que surgem no horizonte, como o arquivamento da pec 37, que teve repercussão como um resultado simbólico do motim.

Resta-nos crer que tudo tenha sido um sinal de reforma no pensamento de uma nação: que esta pátria demonstre-se disposta à engajar-se na cena política, que tome o poder que é seu.

Que sejam esses protestos um meio de fazer valer a soberania do povo não um fim em si mesmos: que tudo o que houve não entre para a história como uma farra coletiva, uma bagunça tola e cega, um carnaval fora de época.

Por: Rafael Marçola