Os Dentes Do Mendigo.

  O sobressalto, a indignação e o correlato sentimento de ódio e desprezo que desde os anos sessenta impulsionaram gerações de jovens ativistas, trabalhadores, pensadores e cidadãos de todos os setores na direção do protesto, da manifestação pacífica ou não, dos atos que são necessários para a transformação de uma pátria que mereça esse nome, deram lugar à uma emoção tão banal quanto inerte: o desânimo.

 É claramente perceptível que, cada vez mais, o cidadão brasileiro se distancia a passos largos da imagem daqueles seus ancestrais que lutaram bravamente contra os canhões da ditadura, ou os que impôram seus desejos de democracia e produziram a condição em que vivemos hoje: não! Os brasileiros de hoje não se aproximam nem da sombra desses heróis, em sua maioria ocultos, que deram de sí para construir um futuro para seus filhos.

 Mas por quê?

 O que teria acontecido nos últimos anos que poderia afetar tão negativamente o brio de um povo?

 Talvez o leitor nesse momento espere que eu comece a desfiar um rosário de acusações e críticas ao governo atual para então concluir que ele é a raiz de todos nossos males. Estão enganados.

 Compreendo que em vinte e poucos anos esse país passou por muitas transformações, muitas crises, e por um longo tempo foi necessário “tirar a poeira” que restara dos vícios dos governos totalitários que antecederam a democracia, renovar as formas de se fazer negócios nesse país de “carroças com motor”, como disse um lá, e tornar nossa indústria mais forte, mais competitiva, nossa economia mais robusta e menos frágil, nossas instituições menos incipientes, enfim, transformar essa máquina obsoleta que restou dos generais em uma pátria.

 Era dessa expectativa que se alimentaram os pensadores e os revolucionários patriotas de ontem: se deleitavam no antegozo do porvir, com a certeza de quem constrói em terra firme.

 Tanto tempo depois fica evidente: sim, o Brasil cresceu! Cresceu para todos os lados, essa não é a questão. A questão é o quanto cresceu e quanto pagamos por isso!

 Tendo a perspectiva de como é suado para a classe média sustentar o crescimento pífio e engolido à seco, sem benefícios elementares como saúde e segurança, o esmorecimento é inevitável.

 Mas os pensadores de esquerda não deixam de atirar nem com o inimigo prostrado: disparam números lindos e afirmam sem corar: – o Brasil tá crescendo, tá melhor São Paulo que Nova York! E apontam seus diplomas calibre doze para as nossas cabeças :  – “Os números falam! Quem discorda é por má fé ou porque não fez a lição de casa!”

 Meu diploma não dá pra tanto, mas na minha tola ignorância de burguês de classe média ouso fazer a comparação:  O crescimento do Brasil é igual os dentes do mendigo, só não despencou porque Deus não quis, mas ninguém cuida, e ninguém se importa.

 Por Rafael Marçola