A Parábola do Buraco.

 Em Capivarí, nossa querida terra de poetas, na penúltima quadra da rua XV de Novembro, diante do número 1343, ao lado esquerdo de quem desce, há um buraco.

 Está afastado uns oitenta centímetros do meio-fio, possui pouco menos de um metro de diâmetro e, dependendo da época, pode chegar à uns trinta centímetros de profundidade, o que não faz dele um grande fenômeno em matéria de buracos, mas é um bom buraco, cumpre sua função de atrair motoristas incautos para suas profundezas – inclusive este que vos escreve – e assim seguem seus dias de buraco.

 Apesar de ser bem criticado – como é comum aos buracos – esse buraco ( chamá-lo-ei de Buraco apenas, para sinalizar a nossa intimidade ) acabou por tornar-se, por assim dizer, um amigo para mim: ele está diante do meu posto de trabalho, posso vê-lo todos os dias, e, na verdade, tenho visto-o todos os dias por mais de um ano. Certa vez pude conhece-lo mais profundamente quando enfiei minha suspensão traseira em sua boca voraz, inclusive foi dessa forma que nossa amizade começou: depois desse incidente, começamos a ter mais intimidade.

 Dessa forma pude conhece-lo melhor, nesse mais de um ano de convivência tenho acompanhado seu dia a dia: as vezes enfeitam sua varanda com cones listrados, outras enfiam-lhe galhos de arvores ou pedaços de ferro com bandeiras na ponta, e Buraco fica feliz, pois sente-se bem cuidado pela população. Por duas ocasiões a prefeitura mandou uns homens para tentar tapá-lo, mas eles vieram com o caminhão e o funcionário nem mesmo desceu da carroceria onde estava trepado: de lá mesmo mandou umas pás de terra preta e mais nada, nem mesmo deitou um piche em cima, só o pó mesmo, depois foram embora. Buraco riu, mas sabia que os homens da prefeitura não tinham má intenção, eles não eram de nada mesmo.

 Mas Buraco não é só um brincalhão, ele também me desperta profundas reflexões filosóficas, tenho pensado: um buraco na rua é mesmo a corrupção do asfalto: ele é um problema em sí, não contribui, apenas destrói e estorva, no entanto sua presença se faz tão constante entre nós que se torna uma parte integrante e quase necessária da via de tráfego. Vira até ponto de referência: – é no segundo buraco à esquerda!

 Buraco sabe que é um problema sério, mas se sente seguro com a anuência da população e autoridades que tornam seu viver bem tranquilo, apesar de tantos danos que causa à sociedade.

 Não posso deixar de ver certo paralelismo entre Buraco e uns bandidos políticos que têm aparecido nos noticiários com certa frequência: criminosos de culpa provada em tribunal, pilhadores do dinheiro público, sem função construtiva na sociedade: homens-buraco oportunistas, que além de realizar seus feitos infames em prol do enriquecimento ilícito, ainda são capazes de brandir os braços às câmeras no momento de suas prisões, ufanando-se de serem “campeões da democracia”, “mártires da justiça”, e ainda conseguem convencer uma multidão de tolos abestalhados iludidos e mal informados que os ovacionam como heróis.

 Tanto meu amigo Buraco como os homens-buraco da política se beneficiam da complacência do pobre cidadão sem forças, conhecimento ou vontade para protestar, dos poderosos corruptos e das instituições fracas e sem tradição de zelo ao decoro: relaxam ante a certeza de que não importa o que façam, caso venha a lei, será só uma pá de pó preto na cara e nada mais… logo vem a chuva e tudo volta ao normal.